Entrevista – Emerson Gottardo: Música missioneira e um amor para vida inteira, por Régis Mubarak
Essa entrevista com o músico missioneiro Emerson Gottardo é repleta de coincidências. Talvez um dia possamos escrever “na parceria” capítulos de um livro sobre “música missioneira e música de fronteira,” mesclando-os as grandes paixões que temos em comum. O Internacional de Porto Alegre, do qual somos eternos torcedores sofredores. A fascinação por Buenos Aires, (conheço melhor que a própria capital do meu Estado, porque meu avô materno nasceu na Argentina) e onde Gottardo num futuro não muito distante, pretende passar uns tempos, buscando inspiração e também porque não dizer “alimentando-se” da cultura fervilhante dessa, que na minha humilde opinião é a capital mais exuberante de toda América Latina. Ambos temos imenso carinho e respeito pelo majestoso rio Uruguai “muito além das pescarias!” Contemplando às aguas desse rio, Emerson Gottardo já escreveu magníficos versos transformando-os em belíssimas canções. Vislumbrando o rio Uruguai lá “pelas bandas de Paso de Los Libres,” já criei poesias que me “renderam menções honrosas” em concursos e breve estarão registradas em um livro. No ano de 2018 exatamente numa noite chuvosa, frio daqueles “legitimamente patagônicos” de um mês de agosto, eu estava pesquisando na internet alguns dados sobre nativismo, para uma matéria que seria publicada num portal da região norte do país, porém “assinada por outro colega” e me deparei com um vídeo caseiro de Emerson com o Tomé München no violão cantando “à capela” e tendo ao fundo do cenário natural “raios e mais raios” e “estouros de trovões,” porque chovia torrencialmente naquela ocasião. A interpretação emocionada de “Milonga abaixo de mau tempo,” canção do saudoso José Claudio Machado (músico nascido no município de Tapes no ano de 1948 e falecido em 2011 na cidade de Guaíba), me fez dar uma pausa demorada naquela minha pesquisa e ficar assistindo-os várias vezes. E que interpretação meus amigos! Não diria que superou a versão original de José Claudio… mas quase… quase que sim!
RM – Vou te confessar um pequeno segredo depois que a entrevista está praticamente na edição final é que coloco o título, mas daí tu me falas que conquistou a “Dona Patroa” cantando “Castelhana” do saudoso Rui Biriva. Bahhh guri o título dessa entrevista foi tu que escreveu!
EG – São as coincidências da vida. (Risos) Conheci minha esposa na cidade de Santa Rosa. Já são 25 anos que estamos juntos. Temos um filho João Pedro e uma netinha, a Aurora. Lembro-me bem do dia em que ela veio me pedir a letra dessa música. No ano de 1994, no mês de novembro fui residir em Santa Rosa e a Ana era minha vizinha. Ensaiávamos na sede do Grupo, que também era a minha casa naquela época e buenas, um belo dia ela veio me pedir a letra de “Castelhana.” Conversamos algumas vezes e então fui convidado para ir ao seu aniversário, ficamos amigos e depois começamos a namorar. E buenas: “é meu amor para vida inteira.” (Ahhh amigos, vejam vocês que foi realmente o Emerson quem escolheu o título da nossa entrevista!)
RM – Então imagino que a Ana seja tua principal incentivadora e esteja presente a maior parte do tempo em tuas apresentações? E não seja do tipo “enxaqueca” que fica mexendo no teu celular enquanto tu estás no palco!
EG – Ahhh não, sou um sujeito de muita sorte nesse quesito. A Ana Paula é bem resolvida e não temos problemas de ciúmes. Foi minha incentivadora realmente desde o princípio. E me acompanha sempre que é possível. Obviamente que em viagens mais longas as vezes se torna mais difícil, porque ela tem suas atividades profissionais. Mas essa questão do celular… posso te garantir nada de “enxaqueca!” E não estou mentindo não! (Risos)
RM – Tu já viajou por inúmeras cidades se apresentando mas há três que me dissestes que gostas muito: São Miguel das Missões no Rio Grande do Sul, Chapecó em Santa Catarina e Foz do Iguaçu no Estado do Paraná. Entretanto está nos teus planos passar uma temporada na Argentina, especificamente em Buenos Aires (que ambos somos fascinados), não tanto pela questão do turismo mas tu pretendes estudar a cultura do país hermano mais a fundo.
EG – Tenho viajado bastante sim e minha raiz musical é bem missioneira, sendo que meus principais inspiradores são Noel Guarany, Cenair Maicá, Pedro Ortaça e Jorge Guedes, mas realmente confesso que amo Buenos Aires “desde sempre” e nossas culturas, Brasil e Argentina são muito ricas e próximas. A grande virtude creio que está no povo que mantém justamente essas culturas com tanto fervor. Temos orgulho, nós os gaúchos e também nossos hermanos argentinos em cultivar as tradições, principalmente no canto e na dança. O chamamé, a chacareira e a zamba, tenho estudado os detalhes de execução, as diferenças e as similaridades e buenas, todas as peculiaridades que envolvem esses ritmos. E em especial, os músicos da fronteira, que conseguem mesclar os estilos tornando mais fascinante ainda. Mas Buenos Aires sim, como me encanta!
RM – Geralmente as pessoas, os fãs, que acompanham teu trabalho não fazem ideia das inúmeras dificuldades que de fato é o início da carreira de todo artista, seja ele músico, escritor, ator, escultor, ilustrador, enfim… Gostaria que tu nos contasse algo inusitado que te marcou não de forma negativa mas como teste de persistência e em não desistir do teu objetivo!
EG – De fato viver da música é um grande desafio. Eu me formei em Gestão Pública pela Uninter e também sou funcionário público há 25 anos, trabalho em uma Estação de Tratamento de Água da CORSAN, que é a Companhia Rio Grandense de Saneamento, empresa responsável pelo abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto na maioria das cidades do nosso Estado. Nossa região missioneira não é uma das regiões mais ricas do Rio Grande do Sul com certeza. Mas respondendo a essa questão vou te contar um episódio que me marcou muito e realmente me fez perceber que a música era minha verdadeira paixão. Lembro de um baile que “promovemos por portaria” em parceria com uma entidade. Nós estávamos ente 9 músicos e mais 4 pessoas na equipe técnica e choveu muito no dia. Choveu! Então imaginas que no total, 7 pessoas pagaram ingresso e não deu nem pra cobrir nossa despesa na copa. Devia ter umas 20 pessoas da comunidade que iriam trabalhar e por fim nós tocamos 3 horas e fizemos uma festa bonita demais, o que não diminuiu “nosso baita” prejuízo infelizmente. Mas nós tocamos com a mesma energia e disposição que tocaríamos se o salão estivesse cheio. E o legal da história é que todos os presentes realmente se divertiram! E eu tive a certeza que viver da música talvez fosse um grande desafio, mas me traria muita felicidade também!
RM – Antes de falarmos do sucesso que fez o teu clip “Das barrancas do Uruguai” nas redes sociais gostaria que tu nos falasse sobre o apoio da tua família. Siga esse link no youtube para assistir o clip oficial da música: https://www.youtube.com/watch?v=fhfZIsv9jVQ
EG – Bahhh realmente foi um sucesso que nos deixou maravilhados! Temos um número significativo de apoiadores e pessoas que sempre estão nos incentivando, apesar da distância geográfica de onde estou residindo em relação a capital Porto Alegre, por exemplo. Mas respondendo a tua pergunta, me sinto abençoado sabe, porque sempre tive muito apoio da minha família, os pais, irmãos e da Ana Paula nem se fala. Meu pai, José Bento Gottardo, em memória e minha mãe que se chama Arnilda Zavalha Gottardo. Minha mãe é uma pessoa com uma positividade e energia incríveis, aquelas pessoas que sabem estender a mão e te confortar nas horas difíceis e meu pai era músico, pessoa simples mas de um coração gigantesco, nunca trabalhou profissionalmente com a música infelizmente, porém foi grande formador de músicos e aprendi com ele lições para vida inteira. E a Ana Paula e meu filho João Pedro estão na equipe de apoio do nosso Grupo.
RM – Como é que surge a inspiração para as tuas composições e teu método de trabalho, precisas ficar sozinho “introspectivo” ou as ideias vão surgindo e se embaralhando as outras atividades no teu dia a dia?
EG – Para compor preciso estar tranquilo sabe, vou confessar que se tenho problemas de ordem pessoal ou algo para ir resolvendo nas atividades do dia a dia, bahhh, coisas que digamos assim estão me incomodando, não consigo escrever ou musicar, realmente preciso me concentrar exclusivamente na música. Gosto de escrever sobre a nossa história, nossa terra e nossa gente. Escrevo bastante sobre temas ambientais com letras que enfatizam a reconstrução do nosso meio ambiente e exaltam nossos rios, principalmente o Rio Ijuí e o Rio Uruguai e gosto de me refugiar na costa do Rio Uruguai, bem sozinho, para compor. É uma solidão que para mim é extremamente criativa e extremamente produtiva!
RM – Mas tua ligação com o campo é bastante forte porque tu és filho de pequenos agricultores, tu és natural da encantadora Guarani das Missões.
EG – Gosto muito também da lida de campo, nasci e me criei numa pequena propriedade rural em Guarani das Missões sim e sempre que posso vou ajudar minha mãe e meu irmão que ainda residem no mesmo local e matar a saudade da roça. E isso não está nas minhas letras apenas por estar, de fato sou muito orgulhoso das minhas origens. Das coisas simples da vida. Uma boa pescaria com os amigos, de prosear e repartir o mate. Churrasquear, e sou assador dos bons! Aliás, vou dispensar “a dona modéstia” e te dizer que sou um excelente cozinheiro “lá no meu rancho.” Excelente viu! Excelente! (Risos)
RM – Tu já me falaste de tuas influências musicais e das letras de Jayme Caetano Braun, aliás tua música preferida “Meus Amores” na interpretação de Luis Marenco é uma das tantas letras do saudoso Jayme Caetano Braun. Mas tu já participou de inúmeros Festivais no início da carreira.
EG – Sim minha iniciação musical foi realmente nos Festivais e já cantei praticamente todos os estilos e sempre tive destaque, principalmente nos Festivais de interpretação. Também sou muito fã do saudoso José Cláudio Machado. Não gostaria de ser injusto, mas vou destacar apenas três com os quais me identifico que são: “A Coxilha Nativista” de Cruz Alta, “O canto de Luz” de Ijuí e “A Califórnia da Canção” de Uruguaiana. Hoje direcionamos nossa carreira na linha de shows e não estamos mais competindo em Festivais. Bahhh vou te contar algo muito particular, sei que meus amigos podem até me sacanear depois, mas escreve aí: eu e a “Dona Patroa” adoramos chamamé, mas sou meio limitado. Ainda quero me tornar um dançarino espanhol ou bem próximo disso! (Risos) Quando sobra tempo até andamos ensaiando, por isso te digo que ainda vou dar um show de chamamé, me aguardem! Não tenho pressa, mas ainda vou. Eu garanto!
RM – Além do violão, tu toca viola e anda estudando gaita ponto de oito baixos. Eu também sei que tu é “torcedor sofredor” do Internacional de Porto Alegre e fã em especial do goleiro Alison. E que tu “jogas bocha” e até não faz feio! Mas agora também estás incentivando a prática do ciclismo de aventura. Pode nos contar essa história que é bem recente.
EG – Meu filho João Pedro Gottardo é estudante de Cinema na UNILA e no ano de 2018 ele e um amigo nosso, o Cleber Tobias começaram a trabalhar numa ideia muito interessante, que era a realização de um documentário partindo do ponto de vista dos ciclistas ou seja, misturando ciclismo, aventura e as Missões. O Cleber tem um trabalho fantástico que é o “Canal Amigo do Ciclista” e meu filho está montando a “Netuno Filmes.” Mas então para resumir, eles fizeram um documentário, não por ser meu filho tá, mas ficou mui lindo: “Siga o caminho, essa terra tem dono e se chama liberdade.” Imagina a que ideia original o documentário percorre o caminho dos quatro sítios arqueológicos: 170 quilômetros de história e cultura sendo percorridos de bicicleta. Entre março e abril eles farão o lançamento. Inclusive o Tomé München do nosso Grupo fez a letra e música da trilha sonora “Identidade Missioneira” que iremos interpretar.
RM – Para encerrar nossa entrevista vou te fazer uma pergunta que foge do mundo musical, mas acho que nossos leitores gostariam de saber como tu lidas com as redes sociais, “não no sentido de comunicação,” porque sei que tu és bastante presente e interage com teu público, mas na questão delicada “das fake news” e “da polarização e dos destemperos políticos.”
EG – Eu realmente interajo bastante com meu público e ainda que responda um pouco atrasado as mensagens às vezes, nunca em hipótese alguma deixo de responder a todos e todas. Na divulgação da nossa arte, não faço sozinho, a Ana e o João Pedro me ajudam bastante. Eu leio muito e procuro me atualizar de tudo que acontece no campo da política, da economia e outras áreas, mas preciso otimizar meu tempo. E é doloroso constatar que “esse retrocesso” que assola nosso país nos custará muito caro logo ali, mais adiante, principalmente com a retirada de direitos dos trabalhadores. Viver da arte é uma maravilha, uma benção, mas isso não significa que eu esteja me alienando de tudo o que ocorre a minha volta, mesmo porque vivemos em sociedade, em comunidade, e tudo como se diz na linguagem da internet está “praticamente conectado.” Procuro ser otimista, mas também realista e precavido! Entretanto as ditas (e malditas) “fake news” na minha opinião são um dos maiores problemas sociais que temos. Não posso fazer uma análise acadêmica ou mais detalhista, mas posso afirmar que “tais inverdades” são espalhadas de tal modo que se tornam “verdades absolutas” e o que é pior aos olhos de grande parcela da população, isso é terrível! E que estrago danado que causam. Tenho uma netinha, a Aurora, que é minha paixão e vou lutar para ajudar a tornar esse mundo melhor, não somente para ela e outras crianças que conheço, que são os filhos e filhas de meus amigos, mas para todos da comunidade na qual estou inserido. Há esperança, e é ela a esperança, que nos move a seguir… seguir sempre em frente!
=== Emerson Gottardo, cantor nativista, tradicionalista e missioneiro juntamente com seu Grupo formado por Tomé München, (Baixo, Violão Gaita Ponto e Vocais), Tiago München (Gaita Pianada e Vocais), Tobias München (Violão) e Maguila Becker (Bateria e Vocais) e mais Gean Santos na Coordenação Técnica e Artística, gravou três trabalhos pela Gravadora Vertical de Caxias do Sul (RS). No primeiro CD ”A Voz do Cantador” relatou a vida do missioneiro ribeirinho. No segundo “Na Alma das Milongas” trouxe temáticas que exaltavam a relação do homem das missões com suas origens. No terceiro ”Missioneiro por Herança” narrou a história da música missioneira de geração em geração. Para assistir seus vídeos ou chamar o Grupo para tocar “um Fandangaço” ou simplesmente “criar conexão” e trocar ideias ou marcar uma prosa no mundo real que como digo aos meus amigos: “prosear ao vivo e a cores ali na praça é que tem consistência” basta acessar “a dona Internet,” onde inclusive vocês vão encontrar as fotos e os relatos da viagem até a França no ano passado participando da “7º Edição do Festival Rio Grande do Sul de Paris,” que é organizado pela “Associação Sol do Sul” daquela cidade. Viagem pra lá de especial, porque os rapazes realizaram uma façanha: cantaram o Hino Riograndense à capela aos pés da Torre Eiffel em pleno dia 20 de setembro. E o coração quase explodindo de tanta emoção, tudo ao mesmo tempo: saudade de casa, orgulho de ser gaúcho e estar ali na “capital cultural reluzente do mundo,” representando o Rio Grande do Sul. Uau quem diria hein paisano? Mas lá estavam eles levando a cultura missioneira para o outro lado do planeta, naquele “20 de setembro de 2019,” que vai ficar para sempre na memória dos guris, principalmente desse cantador nascido lá no interior da graciosa Guarani das Missões, que dedilhava seu violão ainda muito jovenzito e olhando para o azul do céu se perguntava “que tamanho será que tinha o mundo?” Até que um belo dia “o Patrão lá das alturas” permitiu que o guri voasse para longe do pago levando sua arte. E que momento de felicidade plena! Um amor para vida inteira ele já tinha conquistado. A música missioneira outra paixão, também! Faltava talvez cantar o Hino Riograndense em outras Querências. E qual Querência? Na França ora! Mas que tal!!! Buenas… buenas…agora tá feito paisano! E eis amigos aqui a resposta de “qual é mesmo o tamanho do mundo?” É do tamanho da coragem, da obstinação e da persistência que temos em seguirmos em frente até que se consiga transformar nossos sonhos em realidade!
Régis Mubarak *
Jornalista
Mendoza – Argentina & Rio Grande do Sul – Brasil
Fevereiro 2020