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Artigo – Jean Bertollo: Mudança: não espere ter vontade

Como acontece frequentemente com nós, humanos, a vontade é uma coisa paradoxal, que tanto pode nos levar a alcançar coisas significativas, e nos mover adiante, ou “sabotar” totalmente nossos planos e metas.

Frequentemente só temos vontades péssimas pra nosso futuro e saúde. Calma que vou explicar. Responda sem pensar, o que dá mais vontade: maratona de Netflix ou ler uma obra que te dê algum conhecimento que alavanque seu negócio//trabalho/hobby? Distração ou dedicação? O que dá mais vontade? Posso fazer uma suposição, e creio que acertarei (para a grande maioria dos leitores) que a Netflix na cama/sofá dá muito mais vontade que estudo/trabalho. A grande desgraça da gratificação momentânea.

Um psicólogo Húngaro estuda como as pessoas se perdem em atividades aparentemente desprazeirosas. Ele chama esse engajamento de flow. Um flow geralmente vem depois de uma grande luta interna, pois é um estado que mescla grandes desafios com níveis moderados ou altos de habilidade. Se você está enfrentando uma resistência para fazer algo que você acha que faz bem, mas antes disso sempre vem uma vontade de não fazer, de deixar pra depois, pode ser que esteja frente a uma oportunidade de flow. Atividades muitos fáceis nos deixam entediados, já as extremamente difíceis são bastante angustiantes. O flow aparece no equilíbrio, mas a atividade tem de ser ligeiramente acima da sua habilidade, isso força a atenção e a energia aos níveis máximos, produzindo uma sensação de superação dos antigos limites.

Pouca coisa que consumimos, em termos de distração e entretenimento, nos servem pra além da pura passagem do tempo. E, infelizmente, há uma indústria muito poderosa estudando formas de nos manter prestando bastante atenção nas “novidades”, nas notificações, nas tendências, no nosso “Fear of the missin out” – medo de estar por fora. Cada segundo são lançados milhões de vídeos, áudios, livros, produtos, todos bem elaborados por especialistas em comportamento humano e publicidade. E as pessoas estão completamente desarmadas contra isso. Quer dizer, a única arma possível é o conhecimento, que está em algum recanto no meio dos trilhões de informação sem utilidade.

O impasse é que quase nunca percebemos que temos que (1) forjar vontades artificiais para fazer as coisas que realmente valem a pena – não que ver netflix não valha a pena, mas às vezes é só distração – ou (2) agir independentemente de vontade, ou (3) ajustar nossas tarefas para produzir mais flow, mais engajamento, mais sentido, mais motivação.

Dizem que William James, um dos fundadores da psicologia, costumava dizer que sua maior descoberta era de que a vontade pode surgir também depois de iniciarmos atividades aparentemente indesejáveis, não somente antes das atividades que nos atraem. Ou seja, começar a agir é a melhor forma de fazer surgir vontade, no que diz respeito a coisas difíceis, complexas ou estressantes, porém necessárias. Leo Festinger, um psiquiatra que publicou uma obra nos anos 60 falava algo parecido: o comportamento vem primeiro, a vontade e a atitude, depois. Pedro Calabrez, neurocientista brasileiro diz que o comportamento é mais fácil de mudar do que a crença. Eis o exemplo dado pelo autor: é mais  fácil começar uma dieta na segunda, ou acreditar piamente que irá começá-la? Particularmente acho que é mais fácil começar a fazer. Difícil é manter a consistência. Tendemos a pensar que vamos continuar, mas no fundo sabemos que acreditar em um comportamento não é tê-lo em suas mãos.

Não te impressiona o fato de que bilhões de pessoas acordam todos os dias e vão para a escola, pro trabalho, para a faculdade, mesmo sem muita vontade? O fato é que elas não precisam de vontade, vão por que estão comprometidas. Por que nós não usamos essa mesma estratégia (comprometimento) para ajudar naquelas coisas que nos parecem impossíveis, nas quais vivemos nos “sabotando” e procrastinando? Esse é um problema bem complexo, e não pretendo aqui lançar soluções mágicas, mas fica essa provocação ao leitor: não conte com a sua vontade, e principalmente acostume-se a não depender dela, pois na grande maioria dos casos ela vem pra te derrubar, e não pra te trazer resultados positivos.

[our_team image=”//ajuricaba.com/wp-content/uploads/2019/01/Jean-Bertollo-sobre.jpg” email=” jeann1984@hotmail.com”  style=”vertical”]Jean Alessandro Bertollo nasceu em 1990, formou-se em Psicologia pela Unijuí em 2018, concurseiro e amante dos estudos. Interessado em comportamento humano, psicologia aplicada ao trabalho e gestão e aprimoramento pessoal, aprendizagem e cognição. Escreve semanalmente para Folha de Ajuricaba, Jornal Ramadense e Ajuricaba.com.

Encontre mais textos de Jean em //medium.com/psicologiadocotidiano[/our_team]

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