Artigo – Jean Bertollo: Como achar valor no meio das mentiras

Desista. Por mais que você queira chegar ao fundo de algumas questões você não vai conseguir. A quantidade de informação lançada aos ares todo segundo é astronômica, e nós somos criaturas limitadas do ponto de vista do tempo. Você precisa estar armado, e uma arma que venho treinando ao longo de uns 2 ou 3 anos, e que, quanto mais eu penso e pesquiso mais percebo como crucial é o pensamento crítico. Já ouvimos esse bla-bla-bla de pensamento crítico aos montes nas escolas e demais ambientes a vida toda, mas estou falando de uma análise lenta e racional – entendendo e estando sempre ciente das limitações e propensões humanas ao erro perceptivo – que a psicologia cognitiva já tem conseguido demonstrar.
Mas por quê? Por que hoje em dia tentam “enfiar” qualquer coisa, produto ou argumento com histórias bem contadas, com uma aparência de verdade e um discurso bem articulado. Quer um exemplo? Você já conhece o coaching quântico? É o seguinte: É uma abordagem holística que integra aspectos da personalidade para o sucesso pessoal. Funciona direcionando nossa atenção consciente para a vizualização neuroperceptiva que acaba por moldar a realidade concreta. Isso acontece por que as partículas sub-atômicas respondem ao observador, criando a realidade de acordo com o que ele quer. Como tudo é energia e informação, logo nosso pensamento é o que cria a realidade. Acredita? Bom, isso tudo foi invenção minha, foi escrito sem pausa e sem pensar. Parece verdade? Muita gente acredita em coisas desse tipo. Acho até que eu teria alguns seguidores da minha doutrina do Coaching quântico se publicasse um livro bem escrito. Atualmente vendem objetos “quânticos”, terapias “holísticas”, “reestruturações quânticas de DNA” (isso existe mesmo!). Tudo o que você for capaz de imaginar esta sendo vendido em algum lugar ou site. E está sendo comprado por alguém – ou não estaria sendo vendido.
[one_third][blockquote]Pesquisas recentes apontam que não há outro modo de aprender pensamento crítico a não ser que você apresente-o sempre junto daquilo que está estudando ou observando[/blockquote][/one_third]
O que todas essas pessoas que se envolvem nisso têm em comum? Incapacidade absoluta de análise criteriosa dos argumentos ou das evidências. Ou mau caratismo mesmo – no caso de quem vende. Pouca gente sabe o que é método científico (inclusive nas universidades – vivi na pele isso), e não digo que ele é perfeito, mas é um dos melhores modos que conheço para detectar argumentos e evidências falsas, erros de percepção, erros de lógica – que deviam ensinar na escola desde cedo.
Pesquisas recentes apontam que não há outro modo de aprender pensamento crítico a não ser que você apresente-o sempre junto daquilo que está estudando ou observando. Nossa mente é um buraco negro de crenças, ela tende a sugar tudo e “colocar no mesmo saco” tudo o que confirma o que pensamos. E aquilo que não confirma? Muitas vezes nem é percebido. E se for percebido é deletado ou distorcido – a não ser que você tenha o hábito de pensar criticamente. No exemplo do “quântico”, só pra se ter uma idéia, a ciência dita quântica lida com a probabilidade dos elementos sub-atômicos. Isso quer dizer que os pesquisadores não conseguem prever com exatidão a posição dos elétrons no ambiente, pois eles se comportam de maneira diferente que os objetos maiores. Uma árvore está aqui ou ali, mas nunca nos dois lugares ou em nenhum. Mas o elétron aparece e some, e tudo o que conseguimos saber dele são probabilidades estatísticas. Mas algumas empresas conseguem “pegar” esses elementos e construir “pulseiras”, “colchões”, “adesivos” e até mesmo o “DNA” humano. Quanta competência hein? Os maiores físicos do mundo ficariam admirados de aprendessem a fazer isso também!
Essa falta de análise explica o fato de que o Brasil está experimentando uma onda de pirâmides financeiras – somado ao fato da dificuldade de identificá-las. Pense no Coach, por exemplo. Tem coach que vive de ensinar outros a serem coaches. Tem gente que fica rico ensinando gente a ficar rico. Vende livros ensinando como vender livros. Tem até um cara que escreveu um livro sobre como ler livros. É um pouco estranho que consumimos isso, mas não paramos pra pensar nas coisas que consumimos às vezes. Se eu quero ser coach pra ajudar alguém a ter mais desempenho no estudo, não posso contratar um coach desses que só sabe formar novos coaches, mas um que realmente sabe sobre desempenho. Mas o que acontece muito é que esse tipo de profissional acaba ensinando todos a fazer tudo. Nada contra o Coaching, eu mesmo gosto de alguns e acompanho, mas convenhamos.
Em suma, desconfie de quem “não tem nada a perder”. Um pesquisador que se vincula à ciência coloca sua reputação em jogo toda santa vez que publica um artigo. Uma reputação de 30 anos pode ser literalmente destroçada com um único erro crasso de análise ou interpretação dos dados. Essas pessoas têm muito a perder, então elas não vão fazer mega-explicações que cabem em tudo que é situação.
Desconfie de palestras de entusiasmo coletivo. As massas respondem muito bem ao pensamento não-crítico, à conformidade, ao apelo emocional sem embasamento nenhum da razão. Desconfie de coisas que parecem ser perfeitas, o negócio perfeito, a ideia perfeita, a pessoa perfeita. “Ganhe dinheiro sem trabalhar e sem esforço nenhum” “Siga isso e seja feliz sem sacrifícios e sem disciplina” “Transforme sua realidade com essa terapia holística quântica” (colocar holístico e quântico deixa tudo mais confiável, não? Veja bem, não estou dizendo que palestras que motivam são ruins, mas palestras que alienam, são.
Faça perguntas técnicas às pessoas que você desconfia. Normalmente os charaltões sabem muito de empolgar emocionalmente as pessoas, mas muito pouco ou quase nada dos detalhes técnicos dos processos.
Pesquise no Google acadêmico. Lá você acha evidências contra muitas “verdades” vendidas por aí. É fácil, gratuito e só depende de ler – se é que você já comprou o livro “ Como ler um artigo no Google”.
[our_team image=”//ajuricaba.com/wp-content/uploads/2019/01/Jean-Bertollo-sobre.jpg” email=” jeann1984@hotmail.com” style=”vertical”]Jean Alessandro Bertollo nasceu em 1990, formou-se em Psicologia pela Unijuí em 2018, concurseiro e amante dos estudos. Interessado em comportamento humano, psicologia aplicada ao trabalho e gestão e aprimoramento pessoal, aprendizagem e cognição. Escreve semanalmente para Folha de Ajuricaba, Jornal Ramadense e Ajuricaba.com[/our_team]