Curiosidades

Estátua secular de deusa africana é descoberta em Santo Ângelo

No próximo dia 26, a escultura secular de uma deusa africana, a primeira a ser encontrada no Brasil, será revelada ao público pelo Núcleo de Estudos em Cultura Afro-Brasileira e Indígena (Neabi) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Descoberta em Santo Ângelo pelo coordenador do Neabi, Édison Hüttner, numa pesquisa que durou dois anos, a Deusa Nimba é a primeira a ser encontrada no Brasil e tem ligação com a tradição religiosa cultuada pelas etnias Baga e Nalu, presentes nas repúblicas da Guiné e da Guiné-Bissau desde o século 15 e que chegaram ao Rio Grande do Sul no século 17.

Encontrada em 2016, ao acaso, por Hüttner — um pesquisador conhecido nos meios acadêmico e religioso pela dedicação ao localizar e buscar a identificação de peças históricas e raras —, a escultura de madeira de 46,4cm e 3,70kg estava na casa de um colecionador de artigos missioneiros, o comerciante Getúlio de Lima. Admirador do trabalho de Hüttner, ele o convidou para conhecer a coleção particular. Porém, quando os dois entraram na sala, o pesquisador avistou na estante a pequena imagem se diferenciando das demais e foi direto a ela. Na mesma hora, pediu o consentimento para estudá-la. Getúlio, que comprara a estátua no início da década de 1980, cedeu o objeto para a pesquisa.

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Imagem é comparada a fotos das etnias. Foto: Jefferson Braba / Agencia RBS

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Ela havia sido encontrada por um pescador no rio Ijuí, cerca de dez anos antes, quando houve uma grande seca na região que fez o leito surgir próximo a um conjunto de ilhas no Rincão dos Mendes. Como o pescador sabia do interesse de Getúlio por obras diferenciadas, ofereceu-a ao comerciante.

— Nunca consegui comprovar a origem da peça, mas sabia que, certamente, teria algum valor histórico e cultural. Durante todos estes anos, guardei-a esperando que surgisse alguém para contar a história dela. Até que apareceu o professor — disse Getúlio, ontem, logo depois de ser informado sobre o resultado da pesquisa.

Também coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Arte Sacra Jesuítico-Guarani da PUCRS, Hüttner percorre o Estado, desde 2005, em busca de objetos religiosos pertencentes às reduções dos padres jesuítas que vieram ao sul do continente, a partir do século 17, para catequizar os índios no Brasil, na Argentina, no Paraguai e no Uruguai. Qualquer palavra ou símbolo encontrados nas relíquias — sejam eles jesuítico-guarani, afro-brasileira ou indígina — o auxilia a iniciar as conexões necessárias.

[one_third][blockquote author=”ÉDISON HÜTTNER”]Quem fez a escultura era um mestre, pois sabia os detalhes, a sincronia, o significado e arte de uma Deusa Nimba, em toda a sua estrutura detalhes, em sua harmônica e estruturante trilogia: cabeça, peito e pernas.[/blockquote][/one_third]

Para confirmar que tratava-se de um achado único, o pesquisador reuniu fotos de estátuas semelhantes expostas em museus de Paris e Nova York, livros de história, relatos históricos realizados em outros países, analisou cada detalhe da estátua e a submeteu a uma tomografia no Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (Incer), certificando-se de que a imagem era maciça. Ele ainda convidou o pesquisador Éder Abreu Hüttner, seu irmão, e o coordenador do laboratório de Arqueologia da Pucrs, Klaus Hilbert, para atuarem no estudo.

Segundo Hüttner, cada Nimba é uma peça única, com características que revelam a originalidade, a mão do artista e seu contexto. Nimbas com mais de 1m de altura servem como máscara de ombro para serem vestidas e usadas nos rituais. As Nimbas médias e pequenas servem para serem cultuadas. No caso da encontrada no Estado, trata-se de uma estátua esculpida por um artista local que conhecia a tradição dos povos Baga ou Nalu da Guiné e usou um tronco único de madeira para formatá-la.

— Quem fez a escultura era um mestre, pois sabia os detalhes, a sincronia, o significado e arte de uma Deusa Nimba, em toda a sua estrutura detalhes, em sua harmônica e estruturante trilogia: cabeça, peito e pernas. A cabeça tem crista, tranças, escarificações e olhos. O peito arredondado sustenta dois seios alongados e com mamilos. Há, ainda, as quatro pernas finas que iniciam na base do peito até o chão — explica Hüttner.

Pelo menos duas possibilidades de procedência da imagem são indicadas pelo trio: a primeira é de que tropeiros e exploradores acostumados a percorrerem as margens do rio Ijuí, atravessando o Estado até São Paulo, podem ter perdido a imagem no caminho. A outra remete à existência de um quilombo em Cruz Alta, no século 19, próximo ao rio Conceição, que desemboca no rio Ijuí. Rituais africanos eram realizados às escondidas dentro dos quilombos, pois o governo da época não permitia cultos afros.

A comparação com imagem exposta em museu francês. Foto: Jefferson Braba / Agencia RBS

— Esta estátua é completamente inédita no Brasil. Não sabemos exatamente como ela chegou aqui, o certo é que a deusa da fertilidade faz parte de um culto secreto realizado apenas por homens. O ritual é feito na floresta e é conduzido por um sacerdote. A estátua encontrada já tem traços brasileiros, é híbrida. Há perfurações e cortes mostrando que ela fazia parte de um altar maior, por isso o tamanho diferenciado — relata Klaus.

Entusiasmado com a própria descoberta, o pesquisador ressalta que a deusa Nimba é a prova verídica da prática de rituais africanos em solo gaúcho. Ela valoriza a arte de etnias perseguidas que acreditavam na força e significado dos ritos praticados escondidos nos quilombos e nos matos. Para ele, a escultura é um símbolo que liga o Sul do Brasil à África.

 

Alma grande

Hüttner e o achado. Foto: Jefferson Braba / Agencia RBS

De acordo com a pesquisa, a palavra Nimba vem do vocábulo Mande e significa alma grande. O primeiro registro de um ritual com a deusa Nimba foi relatado pelo jesuíta Manuel Álvares, em 1615, na Guiné com o povo baga. Nimba é considerada a deusa da fertilidade.

Os Nalus, na mesma região, adotaram a mesma deusa para celebrar a semeadura e a colheita do arroz vermelho (Oriza Glaberrima). As duas tribos eram especialistas na plantação deste arroz e mantinham comércio com os portugueses desde o século 16.

As informações são da GaúchaZH.

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