Justiça destitui presidente liquidante da Cotrijui três dias após MP deflagrar operação contra a cooperativa
Três dias após o Ministério Público (MP) cumprir 24 mandados de busca e apreensão tendo como alvo a Cooperativa Agropecuária Industrial (Cotrijui), o presidente liquidante da cooperativa, Eugênio Frizzo, foi destituído do cargo nesta segunda-feira (29). A decisão é do juiz Nasser Hatem, da 1ª Vara Cível da Comarca de Ijuí. Além de destituir Frizzo, a Justiça determinou que a cooperativa entre em processo de liquidação judicial (medida semelhante à recuperação judicial das empresas).
O despacho também determina o afastamento de executivos: Ricardo Guioto, liquidante/adjunto, Gilmar Ribeiro Fragoso, diretor superintendente, e Renilton Prauchner, analista executivo. Eles deverão se abster de praticar qualquer ato em nome da cooperativa.
Desde 2014, a Cotrijui está em liquidação voluntária, que é extrajudicial. Desde outubro de 2017, Frizzo atuava como presidente liquidante da cooperativa. A decisão da Justiça do Estado atende a um pedido do escritório de advocacia Souto Correa, que representa um dos maiores credores da cooperativa, a chinesa Chinatex Grains and Oils (H.K.) Limited. No pedido, os representantes do credor afirmam que a cooperativa “enfrenta grave situação financeira” e que, mesmo após extrapolar o prazo de máximo de dois anos para concluir a liquidação voluntária, não adotou nenhuma medida concreta para concluir o processo. Conforme a Justiça, o escritório alega que a “liquidação extrajudicial vem sendo conduzida de forma caótica, ilegal e fraudulenta”. Os acusadores apontam a operação do MP como um agravante para justificar o pedido ao Judiciário.
Em sua decisão, o juiz de Ijuí determina a nomeação de um administrador judicial para conduzir o processo de liquidação. Esse agente será responsável por trâmites como, entre outras funções, arrecadar bens, livros e documentos da cooperativa, convocar credores e devedores, promover o levantamento dos créditos e débitos da instituição e fazer o levantamento do inventário e balanço geral do ativo e passivo da cooperativa.
A ação do MP, deflagrada na última sexta-feira (26), em conjunto com a Polícia Civil, apura os crimes de apropriação indébita (por venda de grãos sem autorização do associado), fraudes (por estelionato) e eventual formação de organização criminosa, com possível beneficiamento de terceiros. A Cotrijui, que já foi uma das principais cooperativas do RS, tem dívida estimada em R$ 1,8 bilhão, 6 mil associados ativos e capacidade estática de quase 1 milhão de toneladas.
Procurado por GaúchaZH, Eugênio Frizzo afirmou que ele e os executivos afastados são favoráveis à decisão judicial, pois a situação na qual a cooperativa se encontra é “insustentável”. Frizzo disse que a diretoria se manifestou pela indicação de um administrador judicial após ser consultada pelo Judiciário sobre o caso apontado pelo credor. Em relação aos supostos crimes apontados pelo MP, o presidente liquidante destituído afirma que ainda não teve acesso ao processo e não tem conhecimento sobre os indícios levantados pela investigação, mas que está tranquilo, pois sua direção não cometeu nenhum ato irregular. A reportagem não consegui contato, até o momento, com os outros citados na decisão judicial.
Decisão do Juiz Nasser Hatem
CHINATEX GRAINS AND OILS (H.K.) LIMITED ajuizou Ação para Conversão de Liquidação Extrajudicial de Cooperativa em Liquidação Judicial contra COTRIJUÍ ¿ COOPERATIVA AGROPECUÁRIA Eamp; INDUSTRIAL LTDA. Narrou que a requerida enfrenta grave situação financeira, em razão da qual restou deliberada sua liquidação voluntária extrajudicial, com continuidade dos negócios, através da Assembleia Geral Extraordinária ocorrida em 27/09/2014. Aduziu que, embora ultrapassado o prazo máximo de dois anos previsto para o encerramento da liquidação, nenhuma medida concreta foi adotada a fim de promover atos conducentes à efetiva liquidação. Descreveu diversas evidências de que a liquidação extrajudicial vem sendo conduzida de forma ¿caótica, ilegal e fraudulenta¿ (fl. 21), justificando a intervenção judicial em defesa dos direitos dos credores da ré. Postulou, liminarmente, a destituição do liquidante em exercício e a nomeação de administrador judicial em substituição. Houve despacho para se aguardar decisão no processo nº 034/1.17.0002854-1, que tramita em São Luiz Gonzaga, quanto ao pleito de extensão dos efeitos da recuperação das sociedades empresárias para a Cooperativa requerida, e determinada a sua citação (fl. 246/247). A autora informou nos autos que o juízo de indeferiu a extensão dos efeitos do pedido de recuperação para a cooperativa por impossibilidade jurídica do pedido, bem como informou a atuação do Ministério Público para apuração de crimes dentro da cooperativa. No dia de hoje, aportou aos autos manifestação da Cotrijuí, através do chamado ¿liquidante¿ e do setor diretivo da empresa, solicitando, em razão de abalo sofrido pela operação do Ministério Público, a nomeação de administrador judicial até decisão final. É o breve relato. Decido. Em sua petição inicial, a empresa autora apresenta, de forma detalhada, diversos indícios de que a liquidação extrajudicial da empresa requerida não vem apresentando os resultados esperados para o tempo já decorrido desde sua deliberação. A soma desses elementos demonstra a probabilidade do direito pleiteado na ação, como se verá a seguir. De imediato, chama atenção o relatório de análise da situação econômica e financeira da requerida, juntado nas fls. 89/100, que demonstra a existência de um patrimônio líquido negativo de R$1.249.511.557,93 em 31/12/2016, bem como uma variação negativa de aproximadamente 44% desse valor em comparação ao ano anterior. Isso mostra a situação alarmante da cooperativa, mesmo após os mais de três anos de liquidação extrajudicial aos quais foi submetida. Outra grave acusação da autora é a alegada oferta, pela ré, de compensação de créditos aos produtores associados, mediante fornecimento de mercadorias e insumos, o que, ao menos em análise superficial ¿ adequada para o presente momento processual ¿ denuncia um desrespeito aos credores preferenciais da cooperativa, os quais notoriamente existem, como se percebe pela quantidade de ações trabalhistas e de execuções fiscais ajuizadas contra ela (fls. 170/199). Ainda, destacam-se as notícias de atraso de salários aos colaboradores, de demissões em massa (fls. 117/118), de atos de disposição de bens imóveis pela ré (fls. 103/106), de desvio de grãos que deveriam estar em armazém-geral e de ameaça de invasão da sede da cooperativa por associados (fls. 108/116). Além disso, a parte autora refere que os atos relativos à liquidação voluntária não estão sendo tratados com a publicidade necessária, já que o liquidante não está prestando contas aos credores. Todo esse contexto evidencia que a caótica situação econômica da cooperativa pode estar sendo motivada pela má gestão dos recursos. Tudo indica que as obrigações dos liquidantes vêm sendo descumpridas, mormente no que se refere aos incisos VI a XI do art. 68 da Lei nº 5.764/71, abaixo transcrito. Art. 68. São obrigações dos liquidantes: I – providenciar o arquivamento, na junta Comercial, da Ata da Assembléia Geral em que foi deliberada a liquidação; II – comunicar à administração central do respectivo órgão executivo federal e ao Banco Nacional de Crédito Cooperativo S/A., a sua nomeação, fornecendo cópia da Ata da Assembléia Geral que decidiu a matéria; III – arrecadar os bens, livros e documentos da sociedade, onde quer que estejam; IV – convocar os credores e devedores e promover o levantamento dos créditos e débitos da sociedade; V – proceder nos 15 (quinze) dias seguintes ao de sua investidura e com a assistência, sempre que possível, dos administradores, ao levantamento do inventário e balanço geral do ativo e passivo; VI – realizar o ativo social para saldar o passivo e reembolsar os associados de suas quotas-partes, destinando o remanescente, inclusive o dos fundos indivisíveis, ao Banco Nacional de Crédito Cooperativo S/A.; VII – exigir dos associados a integralização das respectivas quotas-partes do capital social não realizadas, quando o ativo não bastar para solução do passivo; VIII – fornecer aos credores a relação dos associados, se a sociedade for de responsabilidade ilimitada e se os recursos apurados forem insuficientes para o pagamento das dívidas; IX – convocar a Assembléia Geral, cada 6 (seis) meses ou sempre que necessário, para apresentar relatório e balanço do estado da liquidação e prestar contas dos atos praticados durante o período anterior; X – apresentar à Assembléia Geral, finda a liquidação, o respectivo relatório e as contas finais; XI – averbar, no órgão competente, a Ata da Assembléia Geral que considerar encerrada a liquidação. O perigo de dano é incontestável no caso em tela. É fato inconteste que a situação grave enfrentada pela cooperativa vem prejudicando inúmeros produtores rurais e credores das mais diversas espécies, além da autora, fato esse que contribui também na justificativa da intervenção judicial que ora se busca. Ressalte-se que a medida postulada pela parte autora em sede liminar é plenamente reversível, já que consiste na simples substituição do(s) atual(is) liquidante(s) da cooperativa por administrador nomeado pelo juízo. Pelo contrário, a medida só traz benefícios, tanto aos credores quanto à própria requerida, e pode ser revista a qualquer tempo, se comprovada a correta conduta dos atuais liquidantes, pois, inclusive agora, a cooperativa está sob investigação de seus gestores, para análise da existência de crimes. Diante do exposto, restam preenchidos os requisitos para concessão da tutela de urgência, previstos no art. 300 do CPC. Registre-se, ainda, a existência da Ação de Recuperação Judicial nº 034/1.17.0002854-1, ajuizada pelas empresas COTRIEXPORT CIA DE COMÉRCIO INTERNACIONAL, PACPART ¿ PARTICIPAÇÕES LTDA, REDECOP S.A ¿ INDÚSTRIA, COMÉRCIO, IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO e TRANSCOOPER SERVIÇOS DE TRANSPORTES LTDA, em trâmite junto à 2ªVara Cível da Comarca de São Luiz Gonzaga, em defesa dos interesses do grupo econômico formado entre elas e a ora requerida. Apesar de mencionado processo demonstrar a intenção do grupo econômico em solucionar a questão exposta, sabe-se que a dissolução das cooperativas observa rito próprio previsto em lei específica, não cabendo, pois, o pedido de recuperação judicial para a cooperativa, sendo esse o entendimento já dado pelo juízo da Comarca referida, com exclusão da Cooperativa Cotrijuí daquele feito. Ademais, os próprios dirigentes da cooperativa manifestaram o interesse que seja nomeado administrador-judicial. Isso posto, defiro os pedidos liminares em tutela de urgência formulados pela parte autora, para o efeito de: a) DESTITUIR o atual Presidente/Liquidante da cooperativa ré EUGÊNIO FRIZZO, bem como, a pedido próprio, AFASTAR da administração RICARDO GUIOTO, liquidante/adjunto; GILMAR RIBEIRO FRAGOSO, Diretor Superintendente; e RENILTON PRAUCHENER, analista executivo, os quais deverão se absterem de praticar qualquer ato em nome da cooperativa; b) NOMEAR, em substituição, como LIQUIDANTE E ADMINISTRADOR JUDICIAL, DR. RAFAEL BRIZOLA MARQUES ¿ OAB/RS 76.787 – com endereço profissional RUA INDEPENDÊNCIA, 800 ¿ 4º ANDAR ¿ CEP 99010-041, Passo Fundo/RS, e-mail
As informações são da GaúchaZH.