Padre Eliseu: O ser humano com um ser de relação

Uma pessoa, quando nasce, nasce dentro de um mundo que já existe, de uma tradição, de uma moral vigente, ou seja, nasce dentro de uma cultura.
Além desses condicionamentos sociais, ela também se encontra dentro de um grupo menor, porém, de grande influência no que vai ser. A pessoa nasce dentro de uma família. É a família que fará a primeira socialização de uma pessoa, mas isso não significa que a família é a única responsável pelo que ela é. Peter Berger chama de socialização primária, ou seja, o mundo será traduzido para a criança, que vai simplesmente imitar o que os outros a sua volta fazem.
No decorrer do desenvolvimento, Peter Berger diz que há uma socialização secundária, isto é, a pessoa vai encontrar-se com um mundo muito maior do que o espaço da família. Vai encontrar a escola, a Igreja, o Estado, as leis sociais, etc. Mas a socialização secundária tem um poder inferior à socialização primária (daí a grande importância da família nos primeiros anos de vida da criança). A socialização primária e secundária são impressões, tatuagens, marcas que a pessoa guarda para a vida inteira.
O ser humano não é somente o que está impresso na sua memória, ou o que aprendeu do que já vivenciou, mas é capaz de refletir sobre quem é e por que é assim. O ser racional é também um ser que sente e quer. O aspecto da liberdade do ser humano é um argumento contrário àqueles que dizem que o ser humano é apenas aquilo que fizeram dele. O ser livre é capaz de repensar o seu viver, e até mesmo as escolhas que havia feito, tornando-se não mais um instrumento dos outros, mas um ‘eu’ autêntico, capaz de fazer as suas próprias escolhas. Contudo, é necessário ele reconhecer que suas relações o limitaram, e até o seu modo de pensar e seu alcance do querer não é infinito, mas determinado pelas relações.
O ser humano é um ser que pode, através da comunicação, expressar as suas emoções, sentimentos, relatar os fatos que viu e o conhecimento que adquiriu. Através da comunicação, pode descrever, sugerir ou enganar.
O fato é que, nenhum de nós, hoje, foi o inventor das palavras, mas as usamos juntos, e isso só é possível porque a comunicação é uma ação de relação.
Quando o ser, na sua relação, se comunica, ele quer que o outro faça parte da sua vida, das suas vivências. Quer que seu mundo e o mundo de seu interlocutor se encontrem, e, no processo de comunicação, compartilhem de um mundo comum, entendível por ambos. A palavra comunicação já expressa bem isso (comunicação é “por em comum”). A relação que se dá através da comunicação é chamado de diálogo, e, através de argumentos racionais, podem conduzir ao consenso e não à guerra, a partilha de tarefas e não a dominação, a inclusão e não a exclusão.
Só há relação quando há uma diferença, uma pluralidade. Só há relação quando se reconhece um outro, um diferente que é capaz de discordar e de questionar aquilo que sou, penso e quero. Não há relação quando o outro é um espelho do que sou, ou não tem voz e vez diante de mim. Os ditadores e os passivos nunca são pessoas de relação, pois, ou não levam em consideração a opinião contrária, ou não tem a sua opinião própria.
No neoliberalismo, sistema econômico e político que prega o afastamento do Estado na economia reduzindo os impostos e facilitando a entrada se mercadorias estrangeira, que diminui a ação do estado no mercado de trabalho, que é a favor das privatizações, etc. não há sociedade, não há comunidade, há apenas indivíduos competindo pelo melhor lugar na pirâmide social.
Neste modelo não há espaço para relação de gratuidade, mas de ganho/perda. E a frase mais natural é: “que vantagem eu vou ter me relacionando com os outros?”.
A Igreja é o modelo de relação do Deus Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo), que se relacionam e permanecem unidos essencialmente pelo amor. A Igreja é a comunidade (ekklesia) dos fiéis que, evangelizados, evangelizam, e convertidos, convertem, preparando a Igreja e a realidade onde vivem, anunciando e vivenciando o Reino de Deus, para a vinda do Senhor na Parusia.